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Se a Prefeitura pode medir sem ser laboratório, por que exigir ISO 17025 de engenheiros e tecnólogos?

ISO/IEC 17025 em medições de campo pela NBR 10151?

Por que a exigência geral é ilegal e pode ser considerada inconstitucional

Guia prático para gestores públicos, engenheiros, arquitetos, tecnólogos em gestão ambiental e consultores

1) Base normativa: quem define as regras no Brasil sobre ruído ambiental

A Resolução CONAMA nº 01/1990 remete a avaliação de ruído ambiental às normas técnicas — na prática, à ABNT NBR 10151:2019. A NBR 10151 define como medir em campo (pontos, períodos, descritores como LAeq e Ldn, relato e incerteza). Não há na NBR 10151 nem na CONAMA 01 obrigação de que as medições de campo sejam executadas por “laboratórios” acreditados em ISO/IEC 17025.

2) Laboratório x Ensaios de campo

A ISO/IEC 17025 trata da competência de laboratórios de ensaio e calibração — bancadas, métodos analíticos, rastreabilidade e gestão da qualidade do laboratório. Já a NBR 10151 disciplina ensaios de campo (ambientais) com ênfase em método, condições de medição e instrumentação conforme IEC (ex.: IEC 61672-1 para sonômetros e IEC 60942 para calibradores), além de certificados RBC válidos na cadeia metrológica.

Checklist de validade técnica (campo, NBR 10151): procedimento + pontos/períodos corretos • sonômetro Classe 1/2 (IEC 61672-1) • calibrador Classe 1/2 (IEC 60942) • certificados RBC válidos (sonômetro, microfone, calibrador) • relato + incerteza conforme a norma • responsável técnico habilitado.

3) Poder público mede sem ser “laboratório” — e isso é decisivo

Na prática diária, prefeituras, secretarias ambientais e até o Ministério Público realizam medições de ruído com suas equipes (fiscais, engenheiros, tecnólogos), sem serem “laboratórios 17025”. Essas medições embasam autos de infração, embargos, TACs e ações civis públicas.

Se fosse obrigatório que toda medição válida precisasse vir de laboratório acreditado em 17025, as fiscalizações do próprio Estado ruiriam. Criar uma regra mais rígida para o particular do que para o Estado viola a isonomia e a reciprocidade (art. 5º, caput, CF/88) e esvazia o poder de polícia (que é constitucional e independe de acreditação laboratorial).

Conclusão prática: se o Estado pode medir sem ser laboratório 17025, não é juridicamente aceitável exigir ISO/IEC 17025 como condição universal para validar medições de campo de profissionais e empresas especializadas e devidamente capacitadas que seguem a NBR 10151. Exigência geral assim é ilegal e pode ser considerada inconstitucional.

4) Quem pode medir e assinar: engenheiros, arquitetos e tecnólogos em gestão ambiental

A Constituição (art. 5º, XIII) garante o livre exercício profissional conforme as qualificações legais. Assim, engenheiros acústicos, engenheiros (conforme atribuições do CREA), arquitetos e urbanistas (CAU) e tecnólogos em gestão ambiental (quando suas atribuições contemplam a atividade, conforme legislação e conselhos) podem executar medições e assinar laudos de ruído ambiental, desde que observem a NBR 10151 e os limites legais locais.

Ponto jurídico: impor que apenas “laboratórios ISO/IEC 17025” possam medir em campo restringe o exercício de profissões regulamentadas sem lei federal que assim o determine. Isso afronta o art. 5º, II e XIII da CF/88 e pode configurar reserva de mercado indevida.

5) Panorama internacional — o que as leis/guias pedem no campo

Em jurisdições maduras (Europa, Reino Unido, EUA, Canadá), a prática é consistente: o ensaio de campo de ruído ambiental segue métodos normalizados (ISO/EN 1996, BS 4142/5228, guias provinciais/estaduais), com sonômetros Classe 1 (IEC 61672) e calibração acreditada rastreável. A ISO/IEC 17025 é central para laboratórios (p.ex., calibração), não como pré-condição universal para quem executa a medição de campo.

País / Regime Leis / Normas principais O que pedem para o campo 17025 exigida ao executor do campo?
Alemanha TA Lärm; DIN/EN ISO 1996 Métodos EN ISO 1996; sonômetro IEC 61672 Classe 1; calibração rastreável; peritos qualificados. Não como regra geral para aceitar o ensaio de campo; 17025 aplica-se a laboratórios/calibração.
Espanha Ley 37/2003 del Ruido; RD 1367/2007; EN ISO 1996 Procedimentos EN ISO 1996; instrumentos IEC/EN; calibração acreditada; credenciamento regional possível para organismos. Não como regra nacional para todo campo; foco em método e equipamento.
Reino Unido Environmental Protection Act 1990; BS 4142/5228; guidance das agencies Avaliação conforme BS/EN; SLM IEC 61672 Classe 1; competência demonstrada (ex.: membros IOA). Não como condição de validade do campo.
Estados Unidos Padrões ANSI/ASA S1.4 + IEC 61672; regras estaduais/locais Instrumentos conforme ANSI/IEC; calibração rastreável (ex.: NIST); aplicação por consultores/agências. Não como exigência nacional ao executor do campo.
Canadá (Ontário) Diretrizes NPC-300 (MOECC) Métodos da diretriz; SLM Classe 1; documentação técnica; responsabilidade do profissional. Não como condição geral para o campo; 17025 volta-se a laboratórios.

Conclusão comparativa: esses regimes não condicionam a validade de medições de campo à acreditação ISO/IEC 17025 da entidade que mede; a ênfase recai em metodologia normalizada, instrumentação conforme IEC 61672 e calibração acreditada rastreável, executadas por profissionais competentes.

6) Onde há exigência local no Brasil (e o que observar)

  • Minas Gerais — DN COPAM nº 216/2017: vincula os relatórios a requisitos da NBR ISO/IEC 17025 (ex.: item 5.10 “apresentação de resultados”), criando, na prática, exigência de 17025 para empresas que emitem laudos ambientais no estado.
  • São Paulo — CETESB / Resolução SMA 100/2013: ampliou a exigência de acreditação para “resultados analíticos e amostragem” no SEAQUA. Para ruído (NBR 10151), houve decisão de diretoria que suspendeu o atendimento integral aos requisitos da SMA 100/2013 até 31/12/2024 para empresas com protocolo de acreditação (DICLA/CGCRE). 
Leitura prática: Exigências como as de Minas Gerais e São Paulo são exceções locais, não refletem o padrão internacional e podem configurar excesso administrativo. Profissionais e empresas que se sintam prejudicados devem consultar advogado e considerar representação ao Ministério Público para resguardar seus direitos. No restante do Brasil, prevalece o regime correto da NBR 10151 + IEC 61672 + RBC com RT habilitado.

7) Perguntas rápidas (FAQ)

Q1. A NBR 10151 exige laboratório 17025?
Não. A NBR 10151 define procedimento de campo e instrumentação IEC com RBC. Não há obrigação de laboratório acreditado para a execução do ensaio de campo.

Q2. A CONAMA 01/1990 exige 17025?
Não. Ela remete à norma técnica de avaliação (NBR 10151). Exigências de 17025, quando aparecem, são escolhas administrativas locais — e podem ser contestadas se gerais e absolutas.

Q3. O poder público precisa ser laboratório para multar?
Não. O poder de polícia autoriza medir e fiscalizar; a validade decorre do método (NBR 10151), da instrumentação conforme IEC e do ato administrativo, não de acreditação 17025.

Q4. Tecnólogos em gestão ambiental podem medir?
Sim, quando suas atribuições profissionais (normas dos conselhos/legislação aplicável) abrangem a atividade e desde que sigam a NBR 10151 e a legislação local. Em muitos municípios, tecnólogos integram equipes de fiscalização e gestão ambiental. Observação: requisitos específicos podem variar por leis locais, editais e regulamentos internos.

Q5. É ilegal exigir 17025 em todo e qualquer edital?
Pode ser. Sem lei federal que imponha a obrigatoriedade da ISO/IEC 17025 como condição de validade do ensaio de campo, a cláusula pode ser impugnada por falta de base legal, violação da isonomia e cerceamento do exercício profissional.

8) Fundamentos para impugnação/defesa

  • Art. 5º, II, CF/88 (legalidade): ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Não há lei federal exigindo 17025 para a execução do ensaio de campo NBR 10151.
  • Art. 5º, XIII, CF/88 (livre exercício profissional): engenheiros, arquitetos e tecnólogos (com atribuições) podem medir/assinar. Exigir 17025 universalmente restringe sem lei.
  • Isonomia/reciprocidade (art. 5º, caput): o Estado mede sem ser laboratório. Exigir 17025 apenas dos particulares cria tratamento desigual e contraditório.
  • Coerência técnica: campo é regido por NBR 10151 + IEC (61672/60942/61260) e RBC nos certificados dos instrumentos — não por acreditação 17025 do executor do campo.

 

9) Modelo adequado de redação técnica para propostas e editais

Proposta de cláusula equilibrada:
“Para a execução das medições de ruído ambiental (campo), aplicar-se-á a ABNT NBR 10151:2019, com instrumentação conforme IEC 61672-1 (Classe 1/2) e calibradores IEC 60942 (Classe 1/2), todos com certificados RBC válidos. O fornecedor deverá indicar responsável técnico habilitado. A acreditação ISO/IEC 17025 é exigível apenas dos laboratórios de calibração na cadeia metrológica e não constitui condição de validade do ensaio de campo.”

10) Síntese comparativa

Elemento O que se exige Base
Execução do ensaio de campo NBR 10151 + equipamento IEC + RBC + RT habilitado CONAMA 01/1990 + NBR 10151
Calibração dos instrumentos Laboratório acreditado (RBC/17025) e certificados válidos ISO/IEC 17025 (para o laboratório de calibração)
Validade jurídica Legalidade, isonomia, livre exercício profissional CF/88, art. 5º (II, XIII e caput)

11) Se até o poder público mede sem ser laboratório 17025, por que negar validade a laudos de engenheiros, arquitetos e tecnólogos?

A defesa do interesse público e da segurança jurídica passa por método correto em campo (NBR 10151), instrumentação conforme IEC com calibração RBC e responsáveis técnicos habilitados — engenheiros, arquitetos e tecnólogos em gestão ambiental com atribuições.

Transformar a ISO/IEC 17025 em barreira universal para ensaios de campo é erro técnico, excesso administrativo e pode ser considerado inconstitucional. Isso porque:

  • Art. 5º, II, CF/88: ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.
  • Art. 5º, XIII, CF/88: é livre o exercício profissional, atendidas as qualificações legais (engenheiros, arquitetos, tecnólogos habilitados).
  • Art. 5º, caput, CF/88: princípio da isonomia e reciprocidade — se o Estado mede sem laboratório 17025, não pode exigir o mesmo de particulares.
  • Art. 24, VI, CF/88: competência concorrente em meio ambiente: estados e municípios podem suplementar, mas não inverter o regime técnico estabelecido nacionalmente.

Caminho prático para quem se sentir lesado:
Se um relatório técnico de ruído for indevidamente recusado apenas pela ausência de ISO/IEC 17025 na empresa ou profissional que o elaborou, recomenda-se consultar um advogado especializado em direito ambiental/administrativo e avaliar:

  • Ação judicial de nulidade/impugnação de ato administrativo baseado em excesso de poder;
  • Representação ao Ministério Público, por possível afronta ao art. 5º da CF (isonomia e livre exercício profissional);
  • Mandado de segurança, quando houver negativa em processo administrativo ou licitação;
  • Impugnação de edital com cláusulas restritivas que imponham 17025 sem base legal;
  • Defesa em auto de infração, alegando excesso administrativo e descumprimento da própria prática do poder público, que fiscaliza sem ser laboratório acreditado.

Mensagem final: a Constituição assegura que medir corretamente (seguindo a NBR 10151, com equipamentos IEC calibrados em laboratórios acreditados e com responsável técnico habilitado) é suficiente e válido. Exigir ISO/IEC 17025 universalmente para laudos de campo não encontra respaldo legal e pode ser derrubado judicialmente.

⚖️ Convite: se você ou sua empresa tiveram relatórios ou laudos de ruído ambiental negados sob o argumento da falta de ISO/IEC 17025, não aceite passivamente. Consulte um advogado, avalie ação judicial ou representação no Ministério Público e defenda seu direito ao livre exercício profissional e ao tratamento isonômico garantido pela Constituição.

© Acústica Lagos • Engenharia Acústica — em parceria com Acústica Fácil. Atuação em RJ e SP, com atendimento nacional.
Site: acusticalagos.com.br • Treinamentos: acusticafacil.com.br
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